As diferentes versões da carta enviada por Lula ao Congresso Nacional, como parte do cumprimento da lei que obriga o mandatário federal a prestar contas dos “planos de governo’ no início do ano legislativo, indicam como Lula buscou manobrar o discurso econômico para maquiar a queda da economia em 2024, acatou mais uma vez os pedidos dos militares reacionários e, por fim, quase admitiu expressamente a troca de cargos desenfreada com o “centrão”.
O texto final foi entregue aos parlamentares no início de fevereiro. Antes dele, duas versões foram escritas, com contribuições de todos os ministérios. A primeira foi entregue no dia 23 de dezembro de 2023, outra em 24 de janeiro de 2024.
O jornalista do monopólio de imprensa Estadão Francisco Leali acessou as diferentes versões com o uso da Lei de Acesso à Informação e divulgou trechos em sua coluna do 8 de março. Já o texto final completo, intitulado “Mensagem ao Congresso Nacional de 2024”, está disponível na internet .
Maquiagem econômica
Na economia, a equipe de Lula se esforçou para camuflar ou suprimir deliberadamente os trechos que indicavam uma piora no cenário econômico em 2024.
No primeiro texto, o Ministério da Fazenda fez referências expressas à “desaceleração do crescimento para 2,2%”. Em palavras mais claras: queda da economia em 2,2%. A “queda no consumo das famílias” também foi incluída entre as dificuldades do ano.
Já na versão de janeiro, ambas as partes foram excluídas. Nesse segundo texto, a equipe de Haddad, agora em tom mais inexato, abordou as dificuldades que o País passaria frente ao cenário de crise internacional, expressa nas “turbulências nos mercados financeiros globais” e as “incertezas” da economia chinesa.
A versão foi novamente alterada quanto entregue ao parlamento. No texto final, além da supressão da queda do PIB, a crise chinesa também desapareceu. Em seu lugar, entraram auto-afagos do governo, que insistiu no “crescimento do PIB” em 2023 e a queda dos preços. Malandramente, o governo evitou falar que o PIB foi puxado na maior parte pelo agronegócio – portanto, sem reflexos na melhoria da qualidade da vida do povo – e evitou os preços que aumentaram brutalmente em 2023 e seguirão a crescer em 2024, como o da energia elétrica.
As exigência dos comandantes
Segundo Francisco Leali, os militares reacionários brasileiros iniciaram a redação do seu texto antes mesmo do pedido formal da Casa Civil. Múcio, além de ter acionado todos os setores do Ministério da Defesa para redigir o documento, passou a caneta também para os comandantes das três forças.
Assanhados, os comandantes não pouparam na hora das exigências. Quando a Casa Civil realizou o pedido formal, solicitou que tivesse “cerca de cinco páginas”. Múcio entregou nove. O governo, submisso aos militares reacionários desde que assumiu, manteve a maior parte do documento na íntegra . Dentre as exigências da milicada estão “projetos estratégicos” tanto para o Exército quanto para a Aeronáutica.
Além de pedir, os comandantes também aproveitaram a liberdade criativa para esconder os próprios fracassos de 2023 . Dentre as “operações militares de apoio à população brasileira” destacadas por eles está a Operação Yanomami, “com a realização das seguintes ações: i) transporte aéreo de cestas de alimentos; e ii) evacuação aeromédica de indígenas”.
Nem o governo, nem os comandantes, nem Múcio, lembraram-se de citar no relatório que, até junho do ano passado, 50% das cestas não haviam sido entregues. Também evitaram mencionar que o ano fechou com um aumento nas mortes dos Yanomami, talvez justamente pela inoperância dos militares, de um lado, e do governo, de outro.
Acordo com o centrão: mencionado, mas retirado
Outro trecho alterado pelo governo diz respeito ao “centrão”. Lealli revelou que, na primeira versão de dezembro do texto, o governo destacou que buscou “excelência na formação das equipes dos ministérios” e que “a iniciativa busca ainda ampliar a interlocução entre agentes políticos e órgãos governamentais”.
Aqui, a sagacidade voltou a imperar: eleva-se a “excelência nas equipes dos ministérios”, mas nada diz sobre a inserção de André Fufuca (PP-MA) no Ministério dos Esportes somente porque foi a exigência do centrão para a aprovação do arcabouço fiscal. Ou da nomeação, pelos mesmos motivos, de Silvio Costa Filho, pedagogo de formação e político de carreira, na pasta do Ministério de Portos e Aeroportos, criado somente para o “toma-lá-dá-cá”. Será que é essa a tal “interlocução entre agentes políticos e órgãos governamentais”?
Ambas as partes foram suprimidas na versão oficial, o que não significa que a prática da troca de cargos por favores acabará. Só não é conveniente fazer menção explícita à ela.