Cinco indivíduos foram presos na manhã de hoje, 19/11, em operação da Polícia Federal (PF), acusados de planejar a culminação do golpe de Estado em novembro-dezembro de 2022 através da execução da chapa presidencial então recém-eleita, Luiz Inácio e Geraldo Alckmin, e também o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Entre os presos, quatro são militares do Exército ligados às Forças Especiais e denominados “kids pretos”: o general de brigada da reserva Mario Fernandes, o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo e o major Rafael Martins de Oliveira. Também foi preso o policial federal Wladimir Matos Soares. Além disso, o general da reserva Mário Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo Bolsonaro, foi alvo de busca e apreensão.
A operação da PF intitulada “Contragolpe” se desencadeia estrategicamente depois do autoextermínio do celerado bolsonarista Francisco Wanderley, quando, politicamente, criou-se uma situação desfavorável para a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que daria anistia aos “galinhas verdes” que tomaram parte das agitações e ações golpistas, que agora, segundo a PF, eram atividades preparatórias para a deflagração do “Plano operacional Punhal Verde e Amarelo”, como foi apelidado pelo núcleo detido.
A investigação ressalta que, por trás do movimento de massas anticomunista que tomou forma aberta em novembro-dezembro de 2022, em contestação às eleições, estava um núcleo militarizado, diretamente vinculado ao governo Bolsonaro e aos seus principais ministros militares, e que continha um certo apoio de setores do latifúndio agronegócio e de outros grandes burgueses. Também revela – e confirma as análise dessa tribuna – que o plano desse núcleo político-militar bolsonarista era produzir a desordem institucional e a quebra de hierarquia de parte considerável das tropas e do Alto Comando para obrigar a direita hegemônica dentro deste a salvaguardar a unidade das Forças invariavelmente coadunando com a ruptura institucional, embora, de resto, essa mesma direita hegemônica, tão intervencionista e golpista quanto a extrema-direita, tenha preferido sempre a tutela à vida política nacional e a modificação gradual da atual ordem jurídica e constitucional de acordo com seus planos mediante a chantagem, ameaças e coações – um golpe ao estilo “Guerra de baixa intensidade”. Por fim, fica claro que a política de apaziguamento seguido por essa direita militar no Alto Comando com relação à extrema-direita, de tentar estabelecer acordos para manter a unidade da tropa, só robusteceu a iniciativa e os preparativos de ruptura institucional (por exemplo, os comunicados, assinados por Braga Neto e pelos três comandantes das Forças, dois dos quais se opuseram à ruptura, só favoreceram a extrema-direita, embora fosse uma tentativa de conciliar e evitar o desfecho do golpe naquele momento); assim como, o apaziguamento da falsa esquerda também só favoreceu aos “galinhas verdes”.
O que a decisão e as investigações afirmam sobre o caso
A operação “Contragolpe” é resultado do inquérito, que tramita com o ministro Alexandre de Moraes, sobre as ações e agitações bolsonaristas no período de novembro de 2022 a 8 de janeiro de 2023. Segundo a investigação, o plano operacional, pleiteado pelos seis detidos e outros, foi descoberto após análise eletrônica de arquivos contidos em dispositivos celulares, HDs e outros meios de armazenamento digital.
Entre os arquivos, foi encontrado um documento, em posse do general Mário Fernandes, ex-secretário de Bolsonaro, que planejava instituir um “gabinete institucional de gestão de crise”, a 16 de dezembro de 2022, a ser chefiado pelo general Braga Neto, então ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro à releição, a quem caberia ser o coordenador-geral, e por Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Um dia antes, se realizaria uma operação golpista intitulada por eles como “Copa 2022”, que seria o ato iniciador da crise institucional.
O que é a “Copa 2022”, segundo as investigações
No dia 15 de novembro de 2022, um mês antes da tal operação “Copa 2022”, o major Rafael Martins de Oliveira, um dos presos hoje, encaminhou para o general Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, um documento via WhatsApp, protegido por senha, intitulado “Copa 2022”. Nesse mesmo período, Rafael pedira a Cid aproximadamente R$ 100 mil para financiar os protestos ocorridos em Brasília e solicitara orientações de “locais para a realização das manifestações”, além de confirmações “se as Forças Armadas garantiriam a permanência das pessoas no local”. Segundo a investigação, tratava-se de um arquivo com previsões de gastos para a execução do plano.
Um grupo no Signal foi criado com seis integrantes, usando codinomes de países e com celulares cujos chips foram cadastrados em nome de terceiros de várias partes do País — o que foi identificado pela PF ao apreender esses mesmos celulares e extrair deles as informações da investigação. No grupo, as trocas de mensagens indicam, segundo a apuração, que os elementos estavam em plena operação, posicionados em locais estratégicos. Um dos integrantes indaga: “Tô perto da posição. Vai cancelar o jogo?”, e o chefe do grupo, de codinome “Japão”, responde: “Abortar… Áustria… volta para local de desembarque… estamos aqui ainda…”.
Segundo a investigação, a troca de informações fornecidas pelos envolvidos, os dados de chips de celulares, a posição dos carros alugados e outros meios permitem “concluir que é plenamente plausível que a pessoa de codinome Gana estivesse próxima da residência funcional do ministro Alexandre de Moraes”. Além disso, o uso de termos militares e o tipo clandestino de operação caracteriza os envolvidos como especialistas em ações próximas dos “Kid Preto”, ações de Forças Especiais. Segundo dados da investigação, há suspeitas de que carros do Exército foram usados para vigiar o ministro do STF. Mauro Cid já foi flagrado comentando sobre a rotina do vigiado com assessor do governo Bolsonaro. Rafael Martins de Oliveira é apontado pela PF como o chefe dessa operação.
“Punhal Verde e Amarelo”
O segundo documento-chave da investigação, com o nome “Punhal Verde e Amarelo”, é atribuído autoria ao general Mario Fernandes, ex-secretário de Bolsonaro. Nele, consta um detalhamento do “plano operacional” para executar o ministro Alexandre de Moraes e os candidatos eleitos à presidência e vice. A investigação constatou que o documento foi impresso por Fernandes, via dispositivo individual, dentro do Palácio do Planalto, no dia 9 de novembro de 2022, utilizando-se de rede Wi-Fi e impressora da residência; estavam conectados à mesma rede os militares Rafael Martins e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
No planejamento, segundo a PF, consta um detalhamento de quais armamentos seriam utilizados (desde pistolas a lança-granados e metralhadoras) e mesmo a possibilidade de envenenamento ou artefatos explosivos. “Para execução do presidente Lula, o documento descreve, considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico”, revela a PF. Também constava a necessidade de executar Alckmin como condição para neutralizar a chapa vencedora no pleito.
Segundo a PF, houve uma reunião em 9 de dezembro de 2022 entre o então presidente Jair Bolsonaro e o general Estevam Theophilo, comandante do Comando de Operações Terrestres (COTER). Nesta reunião, discutiu-se o apoio militar necessário para a execução do golpe, com a condição de que Bolsonaro assinasse o decreto que vinha sendo ajustado, embora não se contasse com a adesão do General Freire Gomes, que era o Comandante do Exército. Bolsonaro teria então enxugado a minuta do decreto que instituía o Gabinete de Crise.
Qual teria sido a função de cada um dos presos nos preparativos golpistas
Mario Fernandes. General e ex-secretário de Bolsonaro, já foi registrado pela investigação “de que atuou diretamente com pessoas acampadas no QG do Exército, inclusive com constatações de que manteve relação direta com pessoas representativas desse local e lá esteve presencialmente”. Numa das conversas com Mauro Cid (tenente-coronel do Exército e ajudante de ordens de Bolsonaro), Fernandes afirma ter se encontrado com Bolsonaro em 8 de dezembro e pedido ação “com brevidade, para orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros”. Ele afirma que Bolsonaro aceitou “nosso assessoramento”. Conforme diálogo interceptado pela PF, em 19 de dezembro, o general Mário Fernandes se queixa da indecisão de Bolsonaro quanto ao golpe, em conversa por WhatsApp com o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, seu chefe de gabinete (investigado, mas não preso). O coronel desabafa e critica a falta de “coragem moral” do Presidente: “Aí pedir pro pessoal ir lá pra casa do Arthur Lira. Aí, pô, eu tô com vergonha de pedir. Porra, puta merda. Ele que tenha coragem moral, pelo menos até quinta-feira, falar que não quer mais, né? Pessoal, pelo menos, passar o Natal em casa”.
Em outra mensagem interceptada, Mario Fernandes tenta estimular Bolsonaro a colocar a base social de “galinhas verdes” nas ruas e agir antes das eleições para dar cobertura política ao golpe. “Daqui a pouco nós estamos nas vésperas do primeiro turno, e aí, com a própria pressão internacional, a liberdade de ação do senhor e do governo vai ser bem menor. A população vai começar a acreditar que ‘não, então tá tranquilo, o governo não tomou a medida mais radical, tá tranquilo’… então acho que realmente, nós precisamos ter um prazo para que isso aconteça e não, para que eles raciocinem que é importante avaliar essa possibilidade, mas principalmente, para que uma alternativa seja tomada, como o senhor mesmo disse, antes que aconteça. Porque no momento que acontecer, é 64 de novo? É uma junta de governo? É um governo militar? É um atraso de tudo o que se avançou no país? Porque isso vai acontecer. O país vai ser todo desarticulado”. Em outra mensagem, diz: “Tem que acontecer antes. Como nós queremos. Dentro de um estado de normalidade. Mas é muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o País pensando assim, pra que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior da conturbação no ‘the day after’, né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar”.
A decisão sugere que uma das razões pelas quais Fernandes queria antecipar o golpe era a dificuldade de convencer o comandante do Exército a aderir. Em 7 de dezembro, por meio do coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, encaminha um vídeo para o general Freire Gomes. Tanto no vídeo quanto nas conversas com o ex-presidente, o esforço do general é o de provar que a presença dos movimentos bolsonaristas nas ruas indicava a possibilidade de se perder o controle da situação, o que exigiria uma ação rápida. A Polícia Federal descreve a pressão exercida por Fernandes como decorrente da aproximação de 20 de dezembro, prazo em que o comando das Forças Armadas seria passado para militares indicados pelo governo eleito. Esses diálogos foram captados no celular de Mauro Cid por meio de um sistema israelense que permite a decodificação de mensagens apagadas.
Hélio Ferreira . Tenente-coronel do Exército, também “ex-kid preto”, participou de reuniões de inconformados com o resultado das eleições, inclusive na residência do general Braga Netto (candidato a vice de Bolsonaro). Ali teria apresentado planejamento operacional para a atuação dos “kids pretos”. Conforme a investigação policial, mantinha um planejamento estratégico relacionado ao golpe de Estado, num documento que continha como apontamento a neutralização da capacidade de atuação de Moraes (interpretado pela PF como assassinato). Ele teria inclusive feito levantamento dos hábitos do ministro do STF, junto com o major Rafael Martins de Oliveira.
Rafael Martins . Major, conhecido como Joe, com formação em forças especiais (kid preto), participava de um grupo de WhatsApp, o Copa 2022, formado por militares que tramavam o golpe militar. O codinome dele era Japão. Entre suas tarefas estava arquitetar a prisão e possível execução do ministro Alexandre de Moraes. A PF diz que ele, o tenente-coronel Mauro Cid (ajudante de ordens do então presidente Bolsonaro) e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima se reuniram em 12 de novembro na residência do general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro. Tinham acabado de perder as eleições e estimulavam bloqueios de rodovias por parte da base social de “galinhas verdes” bolsonaristas incrédulos com o resultado das urnas. Dois dias após a reunião, o major Rafael manda mensagem a Mauro Cid, perguntando se há alguma novidade. Cid diz que não. Rafael se mostra otimista, mas alerta: “Vibração máxima. Recurso, zero”. Na sequência, Cid pergunta “Qual a estimativa de gastos?”. Rafael responde: “Hotel, alimentação, material? R$ 100 mil”. A PF interpreta que Rafael fez estimativa para convocação de seus amigos kids pretos para se concentrar em Brasília para uma tentativa de golpe.
Rodrigo Bezerra Azevedo . Major do Exército, também ex-Forças Especiais, lotado no Comando de Operações Especiais, usava no grupo Copa 2022 o codinome Brasil. Seria um dos elaboradores do plano para assassinar o ministro Alexandre de Moraes. Teria participado de ações diversas para incitar os “galinhas verdes” e grupos fascistas articulados por internet a resistirem à frente das instalações militares “para criar o ambiente propício ao golpe de Estado”, relata a PF. A investigação diz que Azevedo integrava uma milícia digital que disseminava notícias falsas sobre fraudes nas eleições de 2022 e ataques sistemáticos a ministros do STF e do TSE. “Esse modo de atuação foi robustecido pelo emprego de técnicas de ações psicológicas e propaganda estratégica no ambiente politicamente sensível pelo ‘Kids Pretos’, instigando, auxiliando e direcionando líderes das manifestações conforme seus interesses”, ressalta o inquérito policial. A PF atribui a essas ações os atos que culminaram nos distúrbios de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.
Wladimir Soares . Agente da PF, forneceu aos golpistas informações sobre o esquema de segurança pessoal do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do vice eleito, Geraldo Alckmin (PSB). Uma das cogitações, segundo a investigação, era assassinar Lula por envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico. “O investigado, aproveitando-se das atribuições inerentes o seu cargo no período entre a diplomação e posse do governo eleito, repassou informações relacionadas a estrutura de segurança do presidente Lula para pessoas próximas ao então presidente Jair Bolsonaro, aderindo de forma direta ao intento golpista”, ressalta o inquérito. Parte das informações coletadas estavam em diálogo de Soares com um capitão do Exército que atuava no gabinete do então presidente Bolsonaro.