Crônica: Genaro e o futebol - A Nova Democracia


Author: Vera Junho
Categories: Nova Cultura
Description: “Genaro é professor de história e não torce por time nenhum”. É assim que o apresentam seus colegas de chope. Em sua roda de amigos de fim-de-semana, sempre
Link-Section: nova-cultura
Modified Time: 2024-11-19T22:23:29-03:00
Published Time: 2024-11-20T09:23:27+08:00
Sections: Nova Cultura
Tags: crônicas
Type: article
Updated Time: 2024-11-19T22:23:29-03:00
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“Genaro é professor de história e não torce por time nenhum”. É assim que o apresentam seus colegas de chope. Em sua roda de amigos de fim-de-semana, sempre caçoado e negligenciado do papo, Genaro já nem liga mais. “São uns fanáticos”, afirma ele sobre seus parceiros, “reféns do futebol e de suas excrecências”. Em sua visão de mundo, estádios como o Maracanã são apenas enormes divãs psicanalíticos. Ou, copiando Marx, ópio da massa. Os argumentos dos colegas visam enfatizar que o povo tem direito a se divertir e que os jogos de futebol servem para isto. Dizem: “Ainda vamos te catequizar, Genaro!”.

Ele contra-argumenta que o futebol existe para alienar, desviar atitudes mais decisivas e indispensáveis em relação ao país. Sua supervalorização é orquestrada para afastar a atenção de coisas importantes. Os torcedores acabam gastando energia ao se envolver emocional e psiquicamente, se neurotizam, brigam e matam – um desperdício de vidas humanas – ou ferem, e passam a aceitar todo tipo de arbitrariedade de seus dirigentes. O futebol reflete as contradições, tensões e idiossincrasias da sociedade capitalista.

O pai de Genaro, italiano, fanático pelo Napoli , promete que vai deserdá-lo. Um dia, para criar um clima de paz, Genaro foi ao campo de futebol do time brasileiro do pai e … cochilou. Foi a suprema afronta! Seu pai ficou sem lhe dirigir palavra por mais de mês.

Sua mulher sugeriu um psicanalista, o tio, um psicólogo. Genaro achou melhor se afastar do grupo dos sábados e se dedicar a ler sobre o futebol, sua origem e trajetória. O gioco del calcio, como afirma o pai. E se meteu a pesquisar. Em vão. Bocejava em cima do computador. Puro tédio.

Foi então que entrou em contato com o bushcraft, a arte de sobreviver em áreas absolutamente inóspitas. E com Ramaz, um homem do Uzbequistão, especialista em sobrevivência e sustentabilidade. Ramaz constrói casas até no topo das árvores. Em florestas, estepes, selvas, cavernas, desertos, picos, tundras e campos e florestas cobertos de neve. Em meio a animais selvagens e bem longe da civilização. Usando apenas material descartado de árvores e arbustos, pedras e barro, sem agredir a natureza.

A lógica de Genaro é a seguinte: se estourar uma III Guerra Mundial – como tudo está indicando -, qual a utilidade do futebol? Nenhuma. No entanto, o bushcraft e seus ensinamentos se mostrarão invencíveis, imbatíveis. Todos têm necessidade de um abrigo, de uma casa, de um lugar onde se esconder, se resguardar e aos seus. É imprescindível aprender a sobreviver, construir locais habitáveis e seguros. Bunkers proletários, enfatiza ele.

Genaro passou a ter em mãos um forte argumento e assunto para confrontar a ilógica do futebol e dos jogadores, em sua opinião, um bando de babacas correndo atrás de uma bola. Para seu deleite, Genaro ouviu de um de seus amigos: “Talvez o carcamano tenha razão. O que ganhamos com toda essa dedicação e lealdade? Apenas negligência, desprezo e sede de lucro por parte dos cartolas do futebol que enriquecem às nossas custas. Sem contar os jogadores famosos. E mortes, resultantes de confrontos de times, como do avô do Zeca; e de dez adolescentes no Rio, além de feridos e várias prisões. A propósito, Genaro, como vai seu amigo, o uzbeque?”.

Source: https://anovademocracia.com.br/cronica-genaro-e-o-futebol/